Viajar para Cuba e conhecer um pouco
mais daquele país durante as férias pode significar mais
do que descanso e lazer. Belezas naturais, a rica cultura e a história do povo
cubano, além das idiossincrasias da única nação das américas, e uma das últimas
do mundo, a afirmar-se como socialista e manter um regime centralizado de
controle econômico na figura do Estado é uma experiência um tanto curiosa.
É claro que uma visita de turista por
7 dias, sendo 4 deles em Varadero, além do contato limitado pelo pouco tempo
com moradores, quase todos ligados ao turismo, somado ao fato de não ter ido a
supermercados, escolas, universidades e hospitais (estes têm acesso restrito e
precisam de autorização oficial) é capaz de fornecer apenas uma visão parcial e bem limitada da condição de vida das pessoas e do regime político-econômico da
ilha, se é que isso seja possível como estrangeiro de passagem. Afinal, estávamos de férias e não fazendo pesquisa sociológica de campo,
porém, alguns fatos merecem registro.
Após quase quinze horas entre Brasília
e nosso primeiro destino (Varadero) chegamos exaustos. Desembarcamos em Havana,
com tempo nublado, pista molhada e a primeira impressão foi a de que o
aeroporto não tinha a "cara" da cidade, como raríssimos devem ter.
Controle de imigração tranquilo, pouca gente, sem filas e uma simpática
atendente.
Trocamos alguns euros por
pesos cubanos conversíveis - CUC (há ainda pesos cubanos comuns que valem cerca
de vinte e cinco vezes menos). O CUC vale quase um dólar (0,97), mas se você
troca dólares paga um deságil de 10%, o que não ocorre com outras moedas como o
euro. Esqueça cartões de crédito, ele só é aceito em alguns grandes hotéis.
Depois disso, pegamos um sanduíche de presunto e queijo, por sinal bem gostoso,
e seguimos para o ônibus que nos levou a Varadero.
Um guia falou sobre várias coisas
interessantes da ilha no caminho, clima, moeda, produtos que fizeram fama
local, como o rum, café e os charutos, mas até então nada sobre política. Notei
que um casal que estava sentado atrás no ônibus perguntou sobre o governo e a
situação econômica, migração, etc. relacionando tudo ao bloqueio econômico
norte-americano. O guia desconversou, disse que não se interessava muito sobre
esses assuntos, mas disse que a grande maioria da população aprovava o governo
e que os protestos eram isolados...sem muita convicção, entretanto.
Paramos em uma lanchonete à beira da
estrada no meio do caminho entre Havana e Varadero, que tem uns 150km e uma
estrada bem conservada. Tomei uma piña colada (mistura de abacaxi, rum e côco)
que estava excelente, e depois um café pra despertar. A lanchonete também
vendia souvenirs, então comprei chaveiros e um livrinho sobre a Constituição
cubana de 1976 por uns 5 pesos que nas palavras de Raúl Castro no texto: é o
documento mais importante da institucionalização da Revolução. Li pouco em razão do cansaço.
No caminho, chamou a minha atenção o
fato de vários muros das casas, todas muito simples, ressaltarem a pátria.
Parece existir um patriotismo forte em torno dos ideais da Revolução e escritos
como "linda terra, sempre te defenderemos" são bem simbólicos do amor
que os cubanos parecem nutrir pela ilha. Passamos por algumas pequenas vilas,
fazendas (muitas com plantação de cana-de-açúcar) e pela cidade de Matanzas,
capital da província de mesmo nome, que é uma apologia às mortes no local desde
a chegada dos espanhóis. Importante área industrial da ilha, com prédios
maiores e um comércio local.
Chegamos ao hotel, almoçamos,
conhecemos as instalações, totalmente incompatíveis com o contexto do restante
da ilha, que até entao só vi pelo caminho como uma série de casas pequenas e
muito humildes, alguns prédios muito velhos e sem conservação e algumas praças
e colégios públicos relativamente bem mantidos e limpos.
Depois de um banho liguei a tv e
sintonizei um dos canais estatais (há 2 no país), estava passando um
programa educativo de debate, acho que sobre literatura e ensino infantil. Em seguida, alguns
comerciais que estimulavam a solidariedade entre os cubanos, especialmente em
relação às mulheres e idosos, vi dois desses. Depois começou o jornal, com
notícias sobre os destrutivos efeitos do furacão Sandy na costa atlântica da ilha. Após, uma homenagem ao aniversário da Revolução
russa de 1917, por conta do 07 de novembro, exaltada como o grande marco
histórico do potencial das liberdades contra a opressão...Achei forçação
ideologizante, a forma de abordagem era de uma ingenuidade tão grande que só poderia ter sido feita com o desprezo de muitos registros históricos importantes. Na matéria, entrevistaram o representante da embaixada da
Bielorrússia em Cuba, com ares saudosistas do regime soviético.
Depois falaram sobre
o conflito na Síria como tentativa de controle imperialista do Oriente Médio
pelo Ocidente, criticando duramente a posição da Inglaterra. Falaram também
sobre as eleições norte-americanas, mas não noticiaram a vitória de Obama que
ocorrera justamente naquele dia. Provavelmente a gravação foi feita antes de se
saber o resultado e não havia nada "ao vivo" no programa. Na verdade,
eles não deram muito destaque a isso no noticiário, como fazemos no Brasil em
que há cobertura especializada, debates e etc. e tal.
Fui cochilar e só acordei no dia
seguinte: café, praia, mais descanso, piña colada, comida, essa foi nossa
"rotina" de férias em Varadero, que poderia ser em Porto de Galinhas,
Pipa ou outra praia do Nordeste. O mar era bonito, mas não tanto quanto às praias que ficam na costa do Caribe. Acho que Varadero está para Cuba como
Cancún está para o México: um lugar de grandes hotéis em que os locais não
entram, salvo para trabalhar.
Varadero é uma das grandes
contradições do país. É uma ilha dentro da ilha, voltada ao circuito do turismo
de luxo, tipicamente capitalista, repleto de resorts que trabalham com o
sistema all inclusive, um claro estímulo ao consumismo sem limites.
Não foi à toa que ouvi de alguém que Varadero não era para cubanos, informação
que confirmei depois em um museu de Havana, quando soube que os ilhéus são proibidos de
ir à Varadero (entram apenas com autorização oficial, o que significa proibir o
livre trânsito). Eis aqui uma violação frontal ao direito de locomoção inscrito na
declaração universal dos direitos humanos, o que se torna mais grave já que se
trata do próprio território nacional.
Perguntei sobre isso a um cubano que
trabalhava na academia hotel como instrutor e ele confirmou. Acorda todos os dias
às 4:00 da manhã, pega um ônibus do hotel que leva todos os que lá trabalham e
fica até aproximadamente 5:00 da tarde. Está lá há 12 anos. Vi o cara, que deve
ter entre 36 a 40 anos, se exercitando com a elasticidade de um adolescente, e
perguntei: ginástica olímpica? E ele respondeu afirmativamente, o cara, filho
de um chinês com uma cubana, tinha sido da equipe olímpica de Cuba (fiquei de
'cara', lógico), e logo em seguida ele disse que também era instrutor de yoga,
tai chi e conhecia algumas daquelas artes marciais que faz você ter habilidade
de subir paredes.
No
dia seguinte encontramos com Yasser, um guia
turístico cubano que nos levou a Santa Marta (praia caribenha na província de
Matanzas) para mergulhar. Atração à parte foi o Ford 1957 em que fizemos o
trajeto. Muitíssimo bem conservado, barulhento é verdade, mas confortável e
espaçoso. O motorista, que adorava buzinar por qualquer coisa, conduziu a uma
velocidade entre 80 e 100 km/h e levamos cerca de 2:30h, com uma parada.
No trajeto há muitas plantações de
laranja, limão, café e cana-de-açúcar. Passamos pela cidade de Cárdenas,
local onde Yasser vive com sua família. Cavalos e carroças espalhados pelas
vias são comuns, chegamos a presenciar, no caminho de volta, um inusitado
engarrafamento de carroças. A cidade tem "cara" daqueles lugarejos do
interior nordestino em que senhorinhas colocam cadeiras nas calçadas pra bater
papo e olhar o movimento.
Chegando ao destino, admiramos a
paisagem (a praia é realmente paradisíaca), mergulhamos por cerca de uma hora,
tomamos uma Cristal (uma das duas cervejas locais) e conhecemos um lago
lindíssimo, um espelho d'água, com alguns peixes pequenos que disputam cada
migalha de pão lançada à superfície. Segundo Yasser, há uma bomba, deixada
desde a época da Revolução, no fundo do lago (20m), que dorme sob os
sedimentos, mas que poderia explodir a qualquer hora, lenda um tanto bizarra.
Voltamos
em direção a Varadero dispostos a parar em algum lugar pra almoçar. Foi quando
aproveitei para amolar os meus amigos cubanos com perguntas. Perguntei sobre
saúde, educação, economia, o embargo, o governo, o que eles achavam da
Revolução, sobre vontade de sair do país diante da relativa abertura que Raúl
Castro está implementando...essas coisas de turista curioso chato.
Yasser respondeu a todas as minhas
perguntas. Disse que os melhores anos da Revolução foram os oitenta, quando a
URSS comprava muito açúcar, níquel e outros produtos cubanos e chegava muito
dinheiro. A saúde e a educação constituem, de fato, sistemas únicos com atendimento universal: nas
mesmas escolas e hospitais são atendidos todos, desde os filhos de
camponeses aos do mais alto membro do partido comunista o que põe todos em um
ponto de partida equivalente (não falo das oportunidades de emprego e salário,
que, de fato, são muito limitadas em razão do embargo). Porém, mesmo a saúde e
educação, referências premiadas da ilha, perderam qualidade após a queda do
bloco socialista europeu.
Sobre a economia eles confirmaram
minhas impressões. O isolamento é dramático. Enquanto passávamos por uma
indústria de suco de laranja e muitas plantações, próximo a Cárdenas, ele falava das dificuldades
provocadas pela escassez de oportunidades de comércio. O país tem a maior
reserva de níquel do mundo, além de muitos outros produtos além de charutos e
rum, mas o bloqueio econômico, que já dura mais de 50 anos e sofreu nova
reprovação da Assembleia Geral da ONU, em reunião ocorrida no período que
estávamos lá, confina ainda mais a ilha.
Restrições de comunicação também são
evidentes. Yasser disse que paga cerca de U$3 para ter acesso a uma hora de
internet em casa, que é muito lenta, prejudicando a sua atividade. Como ele
faz fotografias subaquáticas de turistas mergulhando, sofre para baixá-las e
enviá-las depois (recebemos apenas três de umas 20 que ele tirou).
Mesmo com todas as dificuldades, eles não faziam ares de lamentação ou de
revolta. Quando perguntei sobre o interesse em deixar a ilha nenhum dos dois
manifestou-se com avidez. O motorista, que usava boné nike e óculos ray ban,
tem mãe e irmã que moram em Miami, e pareceu ter o desejo de sair.
Após um almoço excelente no quintal
de um cubano chamado Chuchi, que é pescador e mantém um restaurante em sua
casa, onde é possível comer um prato com lagosta, camarões e partes do
"cangrejo" gigante como o da foto, acompanhados de um arroz típico cubano
(uma espécie de baião de dois com feijão preto) e salada (com alface, tomate
pepino e abacate) por 12 pesos cubanos, o que achei muito bom, considerando que
em qualquer lugar em Brasília o equivalente sairia por uma pequena fortuna de
100 a 150 mangos ou mais, sei lá.
Voltamos à rotina do turismo
capitalista "fantasia" do hotel, para mais dois dias de comilança geral,
mojitos, piñas coladas, chopps, muito sol e espetáculos de dança "pra
turista ver" no teatrinho noturno. Canadenses e holandeses foram as figuras
mais frequentes no local, mas conhecemos algumas brasileiras que estavam de
passagem para um congresso de nutrição. A essa altura eu já estava ansioso pra
conhecer Havana, mas essa é uma historinha pra outro post.